sexta-feira, 5 de outubro de 2007

O POVO - [Ação Policial] OAB quer que investigação sobre PMs seja federalizada

Policiais confundiram integrantes de Hilux com assaltantes e atiraram atingindo três ocupantes (Foto: MARCUS CAMPOS)
Entidade encaminhou uma solicitação ao MPF para que a ação da PM, nos casos da Hilux e da prisão seguida de uma execução em frente ao Frotinha da Messejana, seja investigada pela PF
A Ordem dos Advogados do Brasil no Ceará (OAB/Ceará) solicitou ao procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, que a investigação sobre a ação da Polícia Militar seja federalizada, tanto no que diz respeito à abordagem desastrada a um grupo de estrangeiros que estava em uma Hilux quanto à prisão sem mandado judicial de um ajudante de marceneiro, que acabou sendo executado horas depois. De acordo com o presidente da entidade, Hélio Leitão, houve uma violação dos direitos humanos nas duas ocorrências. Como há envolvimento de agentes do Estado, afirma, o caso extrapola a esfera estadual. Caso o procurador aceite o pedido da OAB/CE, ele deverá encaminhar uma solicitação, conhecida tecnicamente como incidente de deslocamento de competência, ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), para que o órgão determine que o afastamento da Polícia Civil do Ceará da condução dos dois casos e que eles passem a ser investigados pela Polícia Federal. Após a conclusão do inquérito, o processo judicial passa também a tramitar na Justiça Federal. Não há prazo definido para que o procurador-geral se manifeste. A OAB aguarda, contudo, que a solicitação seja atendida o mais breve possível, por causa da gravidade da situação. Ainda segundo Hélio Leitão, a federalização das investigações sobre a série de execuções ocorrida em julho do ano passado, logo depois da morte de policiais militares, também será avaliada pela entidade. Na tarde de ontem, o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), órgão vinculado à Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH), decidiu intervir na questão. O conselho irá informar o ministro da Justiça, Tarso Genro, sobre as duas ocorrências. Além disso, o presidente da comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara dos Deputados, deputado Luiz Couto (PT/PB), foi acionado e deverá realizar uma visita ao Estado nos próximos dias. De acordo com o presidente da OAB/CE, o secretário da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), Roberto Monteiro, já foi informado das duas decisões. Erros O documento enviado pela OAB/CE ao Ministério Público Federal relata outros casos nos quais policiais militares aparecem envolvidos em assassinatos ou ações desastradas. O primeiro exemplo citado é o dos dois irmãos estudantes de Medicina, Marcelo e Leonardo Moreno, mortos pelo capitão da PM, Daniel Gomes Bezerra, no município de Iguatu, distante 384 quilômetros da Capital. Em seguida, o texto traz à tona o caso do mestre de obras Francisco de Assis Palmeira Filho, que teria sido morto em uma troca de tiros entre policiais e uma dupla de assaltantes. A última ação relatada foi a morte do universitário Antônio Neilton Farias de Sousa, que morreu com um tiro na cabeça durante um cerco feito por PMs a uma van. Segundo o documento, os policiais "passaram a efetuar disparos contra o coletivo, mesmo tendo conhecimento que o veículo contra o qual atiravam com armas de fogo conduzia no seu interior pessoas inocentes e desarmadas". Transparência O POVO tentou entrar em contato na tarde e noite de ontem, por celular, com o titular da Secretaria da Segurança Pública, Roberto Monteiro, mas ele não atendeu os telefonemas. A assessoria da SSPDS também não retornou as ligações. O major PM Marcos Costa, da assessoria da Polícia Militar, disse que o comandante da corporação, coronel William Alves Rocha, cumpria agenda com o governador do Estado e não poderia se pronunciar. O major informou, contudo, não ter conhecimento do conteúdo do documento da OAB que pede a federalização das investigações. Ele disse ainda que a PM sempre realiza a apuração das ocorrências envolvendo policiais militares, paralelamente à investigação da Polícia Civil. Para garantir a transparência do processo, afirma, o Ministério Público faz o acompanhamento dos casos. E-MAIS No dia 26 de janeiro, por volta das 20h30min, próximo à torre de observação policial da avenida Raul Barbosa, a Hilux guiada por Innocenzo Brancati foi confundida com um veículo utilizado por bandidos que haviam levado um caixa-eletrônico do Banco do Brasil do Passaré. Os policiais atiraram e, pensando estar no meio de um tiroteio, Brancati acelerou. Ele parou 300 metros à frente ao ver que ele e outros ocupantes do carro estavam feridos e o carro foi novamente alvejado pelos policiais. Na operação, Brancati foi ferido no braço e no pé. Sua esposa, Denise Campos, recebeu uma bala na perna. E o espanhol Marcelino Ruiz foi alvejado com um tiro no ombro que se alojou na coluna, e pode ficar paraplégico. Somente a noiva de Ruiz, Mar Santiago, não foi baleada. O casal espanhol havia acabado de chegar a Fortaleza para uma semana de férias. Na noite do dia seguinte, 27, dez homens renderam três policiais militares do serviço reservado da Polícia Militar e executaram, na porta do frotinha da Messejana, o marceneiro Rogério Candeias. O cunhado dele, Roger Alves, recebeu nove tiros mas conseguiu sobreviver. Os dois foram presos irregularmente pela Polícia e colocados no porta-malas do carro. Os policias queriam saber se a dupla havia participado do roubo realizado na avenida Raul Barbosa aos soldados Morais e Da Silva. Este último recebeu um tiro na cabeça durante o roubo e encontra-se no Instituto José Frota. Ricardo Moura da redação Insegurança é discutida A insegurança no Estado foi tema de debate realizado ontem no Centro Industrial do Ceará (CIC). Policiais militares, empresários, professores e outros representantes da sociedade discutiram os motivos que levam a sensação de uma violência crescente à sociedade. O presidente em exercício do CIC, Robinson de Castro e Silva, lembra que a violência é um dos fatores analisados por grupos empresariais na hora de buscar locais para investimentos ou instalação de fábricas, por exemplo. "Este risco é calculado aqui no Brasil e no restante do mundo e serve como parâmetro para evitar problemas com a equipe", destaca Castro. Ele também lembra que devem ser tomadas medidas para barrar a falta de possibilidades nas áreas de educação e emprego para a população mais pobre. De acordo com Castro, o debate de ontem é uma continuidade do Fórum Internacional Sobre Violência Urbana e Segurança Pública Cidadã, que aconteceu em maio em Fortaleza. "O ex-prefeito de Bogotá (Colômbia), Antanas Mockus, conseguiu reduzir os índices de violência, enquanto administrou a cidade, através de uma Polícia comunitária, que trabalhava próximo à população e o com auxílio de vários setores da sociedade", completa. De acordo com o comandante do Batalhão de Choque da Polícia Militar, coronel Soares, uma Polícia mais eficiente exige um treinamento rigoroso para evitar ações erradas, que prejudiquem o cidadão. "Equipes do choque realizam treinamentos diariamente e também estamos repassando nosso conhecimento para policiais militares", explica. O ciclo de debates de ontem também discutiu temas ligados ao filme "Tropa de Elite", que estréia nos cinemas no próximo dia 12, e aborda o treinamento de policiais do Batalhão de Operações Especiais (Bope) do Rio de Janeiro. (Marcos Cavalcante)
OAB compara ações a sequestro e fuzilamento

Hélio Leitão diz que a população teme a polícia após os episódios

O presidente da OAB/CE, Hélio Leitão, fez duras críticas à ação dos policiais militares. No primeiro caso citado, o da Hilux, ele disse não ter havido uma abordagem policial, e sim, um "fuzilamento", classificado por Leitão como uma "trapalhada inominável" da PM. "O comandante de policiamento da Capital disse que a abordagem da PM se deu dentro da legalidade. Se o que foi feito foi dentro da legalidade, o que seria algo fora da ilegalidade? Ainda que eles fossem bandidos, a abordagem não seria correta, pois colocou outras pessoas em risco", questiona. Hélio Leitão disse ainda que Rogério Candeias e Roger Alves da Silva, presos pelo Serviço Reservado da PM na semana passada e executados por um grupo de dez homens armados, teriam sido "seqüestrados" pela Polícia. Ele destaca os seguintes crimes que teriam sido cometidos pelos policiais nesse episódio: abuso de autoridade, cárcere privado e seqüestro. "A nossa ação é um grito de indignação, um grito de alerta às autoridades da segurança pública de nosso Estado. Chegou-se a um ponto em que temos receio dos marginais que estão à solta e temos receio, hoje, da própria Polícia", concluiu. De acordo com o presidente da comissão de Direitos Humanos da OAB/CE, João Ricardo Franco Vieira, a entidade não tem o interesse de desmoralizar a polícia cearense. "A nossa intenção é que a Polícia cumpra bem o seu papel, que a Polícia Civil consiga desempenhar, com máxima eficiência, o seu papel". Vieira informou que a OAB realiza um trabalho de avaliação das condições de trabalho dos policiais e que apóia a luta dos militares por melhores condições.
SAIBA MAIS
O pedido de federalização feito pela OAB/CE baseia-se no parágrafo quinto do artigo 109 da Constituição Federal, incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004. Segue, abaixo, o trecho completo: Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: º 5º Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o procurador-geral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal.