terça-feira, 2 de outubro de 2007
O POVO - [Artigo] Gênese da violência
A violência no Brasil tornou-se crônica em vista da sua banalização por parte das autoridades. Pessoas inocentes sucumbem diariamente ante a marginalidade crescente. Os transgressores, no mais das vezes, são filhos da miséria, do abandono do Estado - acintosamente omisso em cumprir com as suas obrigações mais elementares. São milhares de brasileiros anônimos, menores ou adultos, achacados pela tragédia pessoal que se multiplica na majestosa desumanidade das favelas. Homiziam-se em bandos como rotas criaturas medievais. Essa horda tem a face do mal porque não conheceram outro semblante em suas vidas efêmeras. A sociedade está irrequieta, atônita e acuada, amedrontada, mas também exige vindita. Põem a culpa na polícia. Para alguns os adolescentes infratores devem ser levados às masmorras o quanto antes; já os adultos hão de ser encerrados nos cárceres fétidos do nosso precário sistema penitenciário. As delegacias assumiram o papel de presídios, de onde a dignidade da pessoa não enxerga o amontoado de seres humanos que mais parecem bichos enjaulados. Mas também não reivindiquem direitos humanos para não ferir tantas chagas abertas. Nesse enredo fecha-se o círculo onde as feridas vão se multiplicando no corpo da sociedade sob a forma de delitos cometidos em desairosa profusão. Mas a violência não é de hoje. A sua gênese está na ingenuidade bruta e arrogante dos coturnos e na subserviência paisana dos anos sessenta. Vem do ufanismo de uma República milagreira, madrasta dos pobres, mãe gentil e dedicada do capital, madrinha jeitosa de quem votou em troca de favores ou sob a opressão do porrete. Esse foi o útero da violência brasileira, fecundada e parida nos anos dourados das baionetas. Abandonados pelo Estado, os desvalidos não tiveram outro rumo a seguir senão a marginalidade, dando seqüência a um atavismo perverso que até hoje perdura. Somos responsáveis sim, e a dor dos familiares das vítimas não pode ser mitigada ante aos discursos de última hora, tão vazios e irresponsáveis quanto as autoridades que os proferem.
Ricardo Memória - Promotor de Justiça