segunda-feira, 29 de outubro de 2007
DIÁRIO DO NORDESTE [Decisão judicial] Justiça sepulta infidelidade e fortalece siglas
A Justiça tomou para si uma decisão que há muito tempo era prometida pelos políticos - o fim da infidelidade
O velho ´jeitinho brasileiro´ na política é caracterizada pela total ausência de regras no que se refere a fidelidade partidária. Mas a prática que há anos os políticos prometem que vão acabar, foi sepultada agora, mas não por obra deles, mas da Justiça. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu no último dia 27 de março que os mandatos pertencem aos partidos, ou seja, se o político quiser trocar de legenda após a eleição, poderá perder o cargo.
Para os proporcionais, isto é, deputados estaduais, deputados federais e vereadores, o Supremo Tribunal Federal (STF) fixou que a fidelidade vale a partir do dia 27 de março. No caso dos cargos majoritários – prefeitos, governadores, senadores e presidentes da República, a data ficou em 16 de outubro, o que acabou livrando os que trocaram de sigla antes.
Correndo atrás do prejuízo, o Senado apressou-se em aprovar uma proposta de emenda constitucional impondo a regra. O projeto ainda deve ser analisado em dois turnos no plenário da Câmara para ter validade a partir das eleições de 2008 para prefeito e vereadores e nas de 2010 para presidente, governadores, deputados e senadores.
A infidelidade partidária já está entranhada na política partidária brasileira. A ´revoada´ geralmente é maior um ano antes das eleições. Mas o fenômero é recente. Antes do golpe militar, no intervalo entre 1946 e 1964, não houve muitos casos de mudança de partido. Na época de exceção muito menos, já no primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso (1995-1998), foram 211.
Na segunda gestão (1999-2002), 302. E no primeiro governo Lula (2003-2006), 291. A atual legislatura, que começou em fevereiro, contabiliza 50. No total, dos 513 deputados em exercício, 223 (43,5%) já trocaram de legenda pelo menos uma vez. O número de “infiéis” é ainda maior se levados em conta cargos majoritários: 303.
As mais repetidas justificativas dadas pelos infiéis é a falta de espaço nas legendas, mas na verdade a grande maioria procede assim para ampliar seu poder, adquirir cargos e recursos ou simplesmente prolongar a carreira. A infidelidade também interessa aos caciques políticos pois ampliam suas bancadas e o poder de barganha.
O partido que está no poder e os que compõem a base aliada são os mais visados. O partido que mais ganhou adeptos foi o Partido da República (PR), que já tem a quinta maior bancada federal.
Na Câmara dos Deputados, a bancada que enfrentou maior número de trocas foi a da Bahia. As do Maranhão, Pernambuco, Paraíba e Ceará tiveram quatro parlamentares que mudaram. Já Sergipe, Piauí e Alagoas, apenas dois.
O deputado cearense Léo Alcântara foi um dos reforços que o PR ganhou. Ele conta que decidiu sair do PSDB, devido a divergências de seu pai, o ex-governador Lúcio Alcântara, com o presidente tucano Tasso Jereissati (CE). “Sofremos perseguições dentro do PSDB, não tinha clima para continuar”, explicou. Acompanharam Léo, os deputados Marcelo Teixeira e Vicente Arruda.
Debandada menor
Entre os senadores, a debandada foi menor. Dos 81, apenas três mudaram de partido. O ex-presidente Fernando Collor, agora licenciado da Casa, deixou o PRTB para ingressar no PTB. Outro foi o senador César Borges (BA) do Democratas, do qual fazia parte desde 1986. Ele se filiou ao PR.
A senadora Patrícia Saboya (CE) não conseguiu espaço no PSB para disputar a sucessão da prefeita petista Luizianne Lins e por isso decidiu migrar para o PDT. Ela foi eleita pelo PPS, depois foi para o PSB e agora aportou no PDT.
MARCELO RAULINO
Repórter
FIQUE POR DENTRO
Tema já é discutido há 18 anos pelo STF
A revisão da jurisprudência no STF sobre a fidelidade partidária se desenha há pelo menos 18 anos, quando a Corte se debruçou sobre a manutenção de mandatos de suplentes infiéis. Na ocasião, prevaleceu a tese da infidelidade partidária. Na época o ministro Celso de Mello, acentuou que votos são patrimônio dos partidos políticos. Em dezembro do ano passado, o Supremo Tribunal Federal avaliou a cláusula de barreira, declarando-a inconstitucional. Na ocasião, pelo menos seis ministros apontaram a fidelidade partidária como mecanismo para moralizar a vida partidária no Brasil.
POLÊMICA
Advogados divergem sobre normaPara o advogado Djalma Pinto a decisão do STF sobre a fidelidade partidária deve preocupar os que trocaram de partido após o dia 27 de março e antes de 16 de outubro. ´O TSE está elaborando regras para a subtração dos mandatos dos infiéis e os partidos estão aguardando o disciplinamento processual para iniciar os pedidos de cassação´, avalia.
Para Djalma, a surpresa é que o disciplinamento será feito não pelo poder previsto - o Legislativo, mas pelo Judiciário, ´O que é o lado inusitado. Isso atesta o grau de ineficiência do nosso parlamento e sua falta de compromisso de assumir os atributos que lhes são confiados´, afirmou.
Entende que a aprovação da PEC pelo Senado não elimina a decisão da Justiça, pois terá que passar por votações na Câmara para entrar em vigor. Na sua opinião o TSE acertou ao definir partir do dia 16 de outubro, como data para punir os majoritários que trocarem de partido. Para ele não a lei não poderia retroceder.
Já os advogados Paulo Quezado e Irapuan Camurça em recente encontro da União dos Vereadores do Ceará afirmaram que os que trocaram de partido não perderão o mandato. Quezado disse que a decisão do TSE e STF não é coisa de preocupação, mas de cuidado.
Já Irapuan destacou que a decisão do STF assegura o direito de ampla defesa.
CÂMARAS MUNICIPAIS
No País, são 3 mil vereadores infiéis
A União dos Vereadores do Brasil (UVB) calcula que pelo menos 3 mil parlamentares trocaram de legenda antes do dia 5 de outubro. O ´canto da sereia´ foi promovido por prefeitos, governadores e até ministros de estado, tendo como ´benefício´ estar do lado da poderosa máquina administrativa. Estados como Bahia, Paraná, Ceará, Amazonas e Goiás, cujos governos estão alinhados com o Palácio do Planalto, responderam por mais da metade das trocas nas câmaras.
No Ceará, segundo o presidente da União dos Vereadores do Ceará (UVC), Deuzinho Filho, mais de 300 dos 1.734 vereadores mudaram de legenda. Deuzinho informa que a UVC está aguardando o posicionamento do TSE para iniciar a defesa dos seus filiados. ´Tivemos uma reunião com juristas que aconselharam que os vereadores reunissem todas provas possíveis para justificar a mudança. Na verdade a decisão da justiça não é por cassação sumária, mas por eventual processo de cassação. Até agora três partidos decidiram que não vão entrar na justiça, o PTB, o DEM e o PMDB. Estamos sensibilizando os demais´, disse.
Em Fortaleza, do 41 vereadores que compõem o Poder Legislativo, 19 mudaram de legenda e apenas um está sem partido, desde o início desta legislatura, em fevereiro de 2005. As siglas beneficiadas foram as da base da prefeita Luizianne Lins - PHS, PSL e PMN. Em contrapartida, o PMDB, que faz a linha de oposição, foi o partido que mais perdeu.
O PMDB elegeu sete vereadores e hoje ficou reduzido a dois (Carlos Mesquita e Marcus Texeira). Saíram do PMDB para o PHS, Walter Cavalcante, Terezinha de Jesus e Regina Assêncio; José Carlos saiu do PMDB para o PPS e Nelba Fortaleza foi para o PTB.
Já o PSL que elegeu quatro vereadores também ´inchou´ com as filiações de Débora Soft (PTN), Luciram Girão (PL), Helder Couto (PMN), Tomaz Holanda (PV), que já foi do PMN, e Marcílio Gomes (PP), que está licenciado. O PSB que só elegeu um vereador recebeu Elpídio Nogueira (PPS) e Paulo MIndêllo (PPS). Mas existem os campeões de troca-troca. O vereador Alri Nogueira, por exemplo, já passou por quatro legendas (PSL, PTB, PFL e PSDB). Já o médico Chico Rodrigues foi eleito pelo PSDC, passou pelo PHS, PTN e voltou para o PSDC.
No Paraná, estado onde a agricultura é preponderante, com 390 mil propriedades rurais, o troca-troca teve como padrinhos o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, e o governador Roberto Requião, ambos do PMDB. Através deles, aconteceram mais de 500 trocas, que esvaziaram o DEM e incharam o PMDB e o PSC. Quem pôs as mãos na massa foram os prefeitos, encarregados de levar os vereadores. Outro personagem na infidelidade no Paraná é o deputado federal Ratinho Júnior (PSC).
Na Bahia, ocorreram pelo menos 300 mudanças, a maioria patrocinada pelo ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima. Segundo aliados, as obras do PAC são o chamariz. Em Goiás, o prefeito de Goiânia, Íris Rezende (PMDB), assinou mais de 200 filiações e entre elas os de alguns dos vereadores de peso na cidade, como Paulo Borges, que trocou o PSB pelo PMDB.
TROCA-TROCA DE VEREADORES DE FORTALEZA
NELBA FORTALEZA - PMDB PARA O PTB
CARLOS MESQUITA - PMDB
WALTER CAVALCANTE -DO PMDB PARA O PHS
GELSON FERRAZ - DO PL PARA O PRB
VEREADOR CACÁ - DO PMDB PARA O PPS
AUGUSTINHO MOREIRA - DO PSDB PARA O PV
TEREZINHA DE JESUS - DO PMDB PARA O PHS
DEBORAH SOFT- DO PTN PARA O PSL
REGINA ASSÊNCIO- D0 PMDB PARA O PHS
ELIEZER MOREIRA - DO DEM PARA O PRB
FERREIRA ARAGAO - PDT
MARCUS TEIXEIRA - PMDB
HELDER COUTO - PMN PARA O PSL E AGORA PMN
ADELMO MARTINS - DO PP PARA O PL (HOJE PR)
MARCÍLIO GOMES - DO PP PARA O PSL
MACHADINHO - PFL (HOJE DEM)
JORGE VIEIRA - DO PL PARA O PMN
ZÉ MARIA PONTES - PT
IRAGUASSU TEIXEIRA - PDT
DR. GLAUBER - PPS
LUCIRAM GIRÃO SALES- DO PL PARA O PSL
ALRI NOGUEIRA - DO PSL PARA O PTB, DEPOIS PFL E AGORA PSDB
DR. ELPIDIO - DO PPS PARA O PSB
IDALMIR FEITOSA - PSDB
TIN GOMES- PHS
SERGIO NOVAIS- PSB
SALMITO - PT
MARIO HELIO -PMN
DIDI MANGUEIRA - PSL
LULA MORAIS - PC do B
GUILHERME SAMPAIO - PT
FÁTIMA LEITE - PHS
JOSÉ DO CARMO - PSL
TOMAZ - DO PV PARA O PMN E AGORA PSL
CARLINHOS SIDOU - PAN
DR. JOÃO BATISTA - PAN JOAO DA CRUZ - PV
ELSON DAMASCENO - PHS
DR. CHICO RODRIGUES - DO PSL PARA O PSDC
WILLAME CORREIA - DO PHS PARA O PTB
CARLINHOS SANTANA- SAIU DO PRP DEPOIS VOLTOU
TEMEROSOS
Poucos deputados estaduais arriscaram
Em 18 assembléias legislativas brasileiras, um universo de 810 cadeiras, apenas 25 deputados estaduais (cerca de 3%) trocaram de partido após 27 de março, a data limite estabelecida. Na Câmara dos Deputados, foram 16 (ou 3,1% dos 513 assentos). Em nove parlamentos não houve registro de infidelidade.
A maioria dos casos aconteceu na Bahia onde oito deputados mudaram de sigla. Depois vêm o Rio de Janeiro (com quatro); Acre e São Paulo (três cada um); Ceará, Mato Grosso, Minas Gerais e Rondônia (dois); e Mato Grosso do Sul (com um caso).
Além do baixo número de políticos em situação de risco, pesa para a manutenção do cenário atual o fato de a decisão do STF não determinar devolução imediata de cargos – cada partido que quiser reaver mandatos precisa fazer um pedido ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que então determinará quem tem razão. Muitas legendas podem optar por não fazer o pedido.
No Ceará, apostaram nessa teoria os deputados Adahil Barreto, que trocou o PSDB pelo PR, e Washington Gois, que foi eleito pelo PAN, saiu para o PP em fevereiro e este mês aportou no PRB. O segundo alega que a troca deveu-se a falta de espaço no PP para disputar a prefeitura de Caucaia, município onde tem base política.
Já o caso de Adahil foi por divergências. ´Fui vítima de manifestação odiosa. Fui perseguido porque permaneci ao lado do governador Lúcio Alcântara, candidato do PSDB, e não o abandonei´, disse.
De acordo com o secretário do PSDB estadual, Sérgio Alcântara, o partido ainda não discutiu a situação dos atuais ocupantes de cargos que se desfiliaram da sigla, ´o PSDB defende a tese da fidelidade partidária e que os mandatos pertencem aos partidos. Esse mesma tese hoje o TSE e o STF e o Senado estão confirmando. Vamos esperar que a legislação esteja consolidada para resguardar o direito partidário,´ observou o dirigente.
DEPUTADOS ESTADUAIS
ACRE: Nogueira Lima (PPS para DEM); Donald Fernandes (PPS para PSDB) e Helder Paiva (saiu do PSDB para o PR)
BAHIA: Maria Luiza (PDT); Reinaldo Braga (DEM para PSL); Arthur Maia (PSDB para PMDB); Emério Resedá (DEM para PSDB); Paulo Câmera (DEM para PFL e PTB); Capitão Fábio (PRP para PMDB); Adolfo Menezes (PRP para PTB) e Jurandy Oliveira (deixou o PRTB pelo PDT)
MATO GROSSO: Walter Rabello (PMDB para o PP) e Guilherme Maluf (saiu do PSDB para o PMDB)
MATO GROSSO DO SUL: Ari Artuzi (PMDB para PDT)
MINAS GERAIS: Antônio Carlos Arantes (DEM pelo PSC) e Deiró Marra ( PSB para PR)
RIO DE JANEIRO: Pedro Paulo (PSDB para o PMDB); Marcelo Simão (PHS para PMDB); Altineu Côrtes (PMDB pelo PT) e Alcides Rolim (do PR para o PT)
RONDÔNIA: Euclides Maciel (do PSL para o PSDB) e Tiziu Jidalias (do PMDB para o PDT)
SÃO PAULO: Ed Thomas, (deixou o PMDB e foi para o PSB) ; Gilmaci Santos (trocou o PL , hoje PR, para o PRB e Otoniel Lima (que saiu do PL (PR) para o PTB)