Livre e solto: PM Lúcio faz o sinal de positivo e sorri na sala do Júri. A Justiça não encontrou provas contra ele
Abriu o jogo: o pistoleiro José Veridiano chora depois de prestar depoimento e confessar ao juiz ter recebido a promessa de R$ 400,00 para fuzilar a adolescente
Diante da lei: os cabos Nonatinho e Eudásio chegam à sala do Júri. O primeiro negou tudo. O segundo confessou ter levado o pistoleiro ao local do assassinato (Foto: Fábio Lima)
Pistoleiro José Veridiano e os cabos PMs Eudásio e Nonatinho foram sentenciados a 13 anos de prisão, cada um
A Justiça condenou, a 13 anos de prisão, em regime fechado, três dos seis acusados de envolvimento na morte da adolescente Ana Bruna de Queiroz Braga, morta a tiro, numa ‘queima de arquivo’, em março último. O julgamento durou 12 horas, no Fórum Clóvis Beviláqua, e só terminou por volta das 21h30, quando o juiz Jucid Peixoto do Amaral deixou a sala secreta e anunciou o veredito.
Os condenados são o pistoleiro José Veridiano Fernandes Nogueira e os policiais militares José Eudásio Nascimento de Sousa e Raimundo Nonato Soares Pereira, o ‘Nonatinho’, ambos cabos da ativa da PM.
Premiada
A pena inicial imposta pelos jurados (quatro mulheres e três homens) aos acusados foi de 21 anos de reclusão. Contudo, Veridiano e Eudásio foram beneficiados com a ‘delação premiada’ (por terem contribuído nas investigações e denunciado os cúmplices) e, assim, tiveram a pena reduzida em um terço (sete anos), ficando em 14 anos. Como também confessaram o crime em Juízo, a pena foi reduzida em mais um ano, sendo fixada, portanto, em 13 anos.
Já o cabo ‘Nonatinho’, apesar de não ter confessado o delito (permaneceu negando seu envolvimento), também foi beneficiado, por extensão, pela lei e recebeu a mesma condenação. Mesmo tendo a sentença ficado abaixo do que era esperado nos bastidores da Justiça, ainda assim, os advogados de defesa decidiram recorrer contra a decisão do Júri e os réus poderão ser levados a novo julgamento.
O juiz indeferiu o pedido para a libertação dos condenados e manteve a prisão de todos. Veridiano está custodiado no Instituto Presídio Professor Olavo Oliveira II (IPPOO II), em Itaitinga. Os dois cabos se estão recolhidos no Presídio Militar, mas poderão ser transferidos para uma penitenciária tão logo sejam oficializadas suas expulsões da corporação.
O promotor de Justiça Alcides Jorge Evangelista, que representou o Ministério Público no julgamento, pediu a condenação dos três acusados por crime de homicídio duplamente qualificado. As ‘qualificadoras’ apontadas por Evangelista foram o motivo torpe (crime de encomenda, mediante paga) e por meio que impossibilitou a defesa da vítima (surpresa).
Responsabilidade
Em seu pronunciamento, o promotor foi enfático ao responsabilizar o Estado pela morte da adolescente. A falta de proteção a Ana Bruna (testemunha da ação de um grupo de extermínio formado por policiais militares) teria resultado em sua morte,“O estopim da morte de Ana Bruna foi o depoimento que ela prestou no dia 13, na Procuradoria Geral da Justiça”, disse Evangelista.
O promotor apresentou num telão o resultado da quebra do sigilo telefônico dos acusados e da própria vítima, mostrando as ligações efetuadas por eles nos dias que antecederam a execução e na própria data do crime (13 de março), e elogiou o trabalho realizado pelo delegado Francisco Alves de Paula, diretor do Departamento de Inteligência Policial (DIP), que buscou proteger a garota.
PROCESSO
Soldado PM que debochou da Justiça acaba sendo absolvido
Dos quatro réus que foram à Júri, ontem, pela morte da jovem Ana Bruna de Queiroz Braga, um deles acabou livre da acusação. Foi o soldado PM Lúcio Antônio de Castro Gomes, o mesmo homem que, em uma ligação interceptada pela Justiça, com a quebra do sigilo telefônico, fez piada com o trabalho da Justiça no dia em que foi levado ao Fórum para depor. “Assiste a tevê amanhã... tu vai ver a macacada. Tinha um juiz, um promotor, uns cinqüenta repórteres, o Gate, o Cotam, uma macacada só...”, disse Lúcio ao utilizar um telefone celular dentro do Presídio Militar para conversar com uma amante.
Por falta de provas dentro do processo, o próprio promotor de Justiça, Alcides Evangelista, pediu aos jurados a absolvição do acusado. Livre da acusação, Lúcio - que é acusado de outros crimes - deixou o Fórum fazendo sinal de positivo. Seu advogado, Edson Nogueira, usou da palavra por menos de dez minutos e considerou equilibrada a atitude do promotor.
Já o advogado Mardônio Almeida, que representou a defesa do cabo Eudásio, insistiu na tese de que seu cliente ajudou na elucidação do crime. Fez ainda, uma revelação: a arma que teria sido usada na morte de Ana Bruna teria pertencido a outro PM, o soldado José Nery de Menezes Júnior, que, conforme o advogado, foi misteriosamente assassinado no dia 13 de dezembro de 1997. Mardônio denunciou que o processo sobre o caso está esquecido nas estantes do Fórum.
Já o advogado Paulo César Feitosa, que representou a defesa do cabo ‘Nonatinho’, revelou indignação. “A defesa virou uma colcha de retalhos e meu trabalho acabou prejudicado. Fizeram (os demais advogados) um acordo para pedir a delação premiada para os outros réus e meu cliente ficou como sendo o único envolvido no crime. Pedi ao Juiz o desmembramento do julgamento, mas não fui atendido”, disse Feitosa, garantindo que irá recorrer da decisão do Júri.
Outros
Outros dois acusados de envolvimento no caso não tiveram ainda o julgamento marcado, pois seus advogados recorreram da decisão de pronúncia (etapa processual em que o réu é mandado a julgamento). São eles: o comerciante João Batista Portela e o delegado de Polícia Civil, Roberto de Castro. O primeiro está preso preventivamente.
QUEIMA DE ARQUIVO
Adolescente ‘abriu o jogo’ e não recebeu proteção
A adolescente Ana Bruna de Queiroz Braga, 17 anos, foi assassinada na noite de 13 de março último, no bairro Aerolândia, ao ser chamada para atender a uma ligação telefônica em um ‘orelhão’ perto da casa de familiares. No mesmo dia, pela manhã, ela havia prestado um longo depoimento na Procuradoria Geral da Justiça (PGJ), perante vários promotores de Justiça.
Bruna confirmou o que, anteriormente, havia dito à Polícia: a morte do comerciante Francisco Válter Portela (pistolado em janeiro último) teria sido praticada a mando do próprio irmão do comerciante, João Batista Portela. A razão: uma dívida de R$ 150 mil que Válter tinha com João e se recusava a quitá-la.
Verdade
Bruna decidiu ‘abrir o jogo’ para a Polícia no mesmo dia em que seu amante, o ex-soldado PM Ademir Mendes de Paula, foi executado por pistoleiros no bairro Pantanal. Em depoimentos seguidos à Polícia, na presença do Ministério Publico, a garota contou que seu companheiro participou do crime junto com os policiais militares que formavam um grupo de extermínio.
Mesmo diante da gravidade dos fatos, a jovem não recebeu a proteção do Estado e acabou sendo fuzilada por Veridiano, que foi levado ao local do crime pelo sargento Eudásio. Segundo o promotor Alcides Evangelista, ficou provado nos autos que o crime foi devidamente planejado e até uma reunião preparatória foi realizada na casa do cabo ’‘Nonatinho’ com a presença do soldado Lúcio e dos demais implicados. “Ele (Nonatinho) foi o agenciador deste crime”, disse Alcides.
Fernando Ribeiro
Editor