domingo, 10 de fevereiro de 2008

O EXEMPLO DE YORAM

Não raro profissionais que se devotam à advocacia criminal sofrem a incompreensão de segmentos significativos da sociedade. Debitam à conta dos advogados a ineficiência do aparelho repressor estatal, os elevados índices de impunidade, chegando a lhes imputar uma verdadeira aliança com o crime. Tanto mais rumoroso o crime cometido por alguém, maior a ira da opinião pública que se abate sobre seus defensores. Ao assumir uma defesa em processo penal, o que fazem sem levar em consideração a própria opinião sobre a culpa do acusado, na forma do artigo 21 do Código de Ética e Disciplina da OAB, os advogados concorrem para a afirmação do estado democrático de direito, em que se deve assegurar ao acusado o exercício da amplitude de defesa e do contraditório (art. 5, LV, da Constituição Federal). O fenômeno não é novo nem unicamente brasileiro. Muita celeuma causou o advogado Yoram Sheftel, ao patrocinar a defesa Ivan Demjanjuk, apontado como sendo o torturador do campo de concentração nazista de Treblinka conhecido como "Ivan, o Terrível", numa merecida alusão ao autocrata russo, célebre pelos horrores que perpetrou. Yoram, logo ele, de origem judaica, que perdeu vários familiares no holocausto de Hitler. Execrado pública e impiedosamente, sofreu atentados a sua integridade física, tendo o rosto desfigurado por um ácido numa das tantas agressões que corajosamente arrostou. O bravo advogado não se deixou intimidar e logrou demonstrar a inocência de seu constituinte no curso do processo, não sem antes percorrer um verdadeiro calvário processual de recursos e adiamentos de julgamento. Abertos os arquivos da KGB, polícia política da extinta União Soviética, a verdade aflorou: Um outro Ivan, Ivan Marchenko, era o torturador. Que a luta de Yoram sirva de exemplo aos bravos advogados brasileiros e de lição aos inimigos da advocacia.
Hélio Leitão é presidente da OAB-CE
Artigo de autoria do pres. da OAB-CE, Hélio Leitão, publicado no jornal O POVO, edição do dia 29/01/2008