terça-feira, 8 de janeiro de 2008

O POVO - [Artigo] Lei só não basta

O assunto não é novo. É de uma recorrência que, de tão previsível, já não empolga nossos corações cansados da exploração demagógica do caos da segurança pública. Uma sociedade afrontada por atos cotidianos de violência, sem vislumbrar da parte do poder público o esboço de qualquer solução para o enfrentamento da onda de criminalidade que nos atinge a todos, torna-se presa fácil dos discursos de ocasião, verberados sem qualquer compromisso com a verdade ou com o direito pelos milagreiros da crise. Sempre que a violência atinge os píncaros, voltam à ocupar espaço na cena do debate jurídico-político propostas de enrijecimento da legislação penal, a adoção da nefanda pena capital e a redução da maioridade penal. Foi surfando na onda de indignação gerada pela então nascente indústria do seqüestro que deitava raízes no Estado do Rio de Janeiro nos fins dos anos oitenta, que os legisladores produziram a chamada Lei dos Crimes Hediondos, vendida então como panacéia curativa de todos os males. A nota da hediondez foi estendida, anos depois, aos homicídios qualificados, inovação legislativa feita sob os influxos da pressão social gerada pelo brutal assassínio da atriz Daniela Perez, episódio que mobilizou as atenções e paixões da nossa gente. O maior rigorismo penal trazido por estas modificações legislativas redundaram em pouco ou nenhum efeito prático, além da constitucionalidade duvidosa a perpassar alguns de seus institutos. Com efeito, o que se viu após tantos anos de vigência destas leis foi a elevação dos índices de criminalidade violenta, a disseminação da prática do crime de extorsão mediante seqüestro por todo o país, a atuação de grupos de extermínio e organizações criminosas. Nunca se matou tanto em nosso país! Fosse o problema resolvível através de novas leis, já se teria alcançado a solução. O trato da questão da segurança pública impõe uma reflexão desapaixonada, em que se contemple, a par de soluções efetivas para a questão, o respeito à Constituição. De logo diga-se da impossibilidade de se reduzir a maioridade penal dentro dos marcos constitucionais postos. A inimputabilidade do menor de dezoito anos, prevista no artigo 228 da Constituição Federal, é regra que corporifica direito individual, insuscetível de emenda a teor do artigo 60, parágrafo quarto, inciso IV, da CF. Demais disso, buscar alargar o espectro de alcance do direito penal quando existem, Brasil afora, dezenas de milhares de mandados de prisão ainda por cumprir em razão das deficiências do aparelho repressivo e sem que o Estado tenha como acomodar em seus cárceres essa legião de criminosos, é desconhecer a realidade. A questão passa muito mais pela efetivação do nosso arsenal legislativo, a exigir investimento em políticas públicas e de resgate da dívida social, seriedade e vontade política. Menos lei e mais ação, pois, na sabedoria do poeta Drummond de Andrade, "as leis não bastam, os lírios não nascem das leis". Hélio Leitão - Presidente da OAB-CE